A psicopedagoga e psicoterapeuta desfaz os mitos sobre dislexia e afirma que um processo de aprendizagem cinestésico e integrativo auxilia muito a melhorar o desempenho do aluno que sofre desse tipo de distúrbio.
Atividades como a leitura servem como porta de entrada e chave de acesso a uma série de conhecimentos ao longo da vida. Contudo, um grande número de crianças e adolescentes enfrenta dificuldades para ler e, hoje, uma das causas mais frequentes de mau desempenho nos estudos é a dislexia. Trata-se do transtorno de aprendizagem mais comum entre a população escolar, sendo referida uma prevalência entre 5 e 17,5%.
A psicopedagoga, psicoterapeuta e especialista em Medicina Comportamental, Lou de Olivier, dedicou praticamente toda sua vida ao estudo, pesquisas e tratamento da dislexia. Ela faz questão de ressaltar a grande quantidade de mitos e equívocos que envolvem o distúrbio, o que acarreta, inclusive, em uma quantidade significativa de diagnósticos errados.
“São tantos os equívocos que nem tenho como citar todos. A maioria surgiu em pesquisas científicas, mas que foram descontinuadas. Quero afirmar, com isso, que alguns pesquisadores defendem um tema com um determinado enfoque e, na sequência, abandonam o tema ou por terem seguido outros ou por perceberem que estavam errados ou por diversos outros motivos. Nesse ritmo, cria-se um mito que vai se perpetuando e quem mais sofre com isso é o paciente, que acaba submetido a tratamentos ineficientes, obsoletos e, quase sempre, fundamentados em uma única tese inicial”, revela Lou.
Ela também é multiterapeuta, bacharel em Artes Cênicas e Artes Visuais, além de pioneira na prospecção da dislexia adquirida e criadora do método terapia do equilíbrio total/universal.
Quais são os principais mitos que envolvem a dislexia, por que surgiram e o que fazer para desmistificá-los?
Lou: São muitos os mitos em relação à dislexia. Os mais comuns são: hereditária/genética – isso coloca a dislexia como sendo de um único tipo, ocorrendo em famílias propensas. De fato, esse tipo de dislexia existe, mas é um dos diversos tipos. Há outros tipos e classificações, que dependem, inclusive, da linha de pesquisa da neuropsicologia, da psicopedagogia, da multiterapia, entre outras. Entre os diversos tipos que são renegados no Brasil está a adquirida. Apesar de ser aceita oficialmente pela Ciência da Saúde, ainda é questionada e até mesmo desconhecida pela maioria dos profissionais de saúde no país. Outro grande mito é a “troca de letras”, supostamente característica da dislexia.
Cita-se a troca “p” com “b” ou “d” com “q”, quando, na verdade, há ausência de identificação e não troca de letras. Há quem cite omissões e outras características mais próprias da dislalia como sendo dislexia. Embora a dislalia seja uma dificuldade/disfunção na linguagem oral, ela pode interferir na aquisição da leitura/escrita. Então, a criança faz omissões e/ou substituições e/ou distorções e/ou acréscimos de sons. Isso é característico de dislalia, mas tem sido divulgado como dislexia. Há quem confunda sintomas da síndrome de Irlen com dislexia. Há também a afirmação equivocada sobre a maior incidência em meninos pela questão da testosterona. Essa afirmação já foi descartada na década de 1980, mas ainda é citada. São tantos os equívocos que nem tenho como citar todos. A maioria surgiu em pesquisas científicas, mas que foram descontinuadas. Quero afirmar, com isso, que alguns pesquisadores defendem um tema com um determinado enfoque e, na sequência, abandonam o tema ou por terem seguido outros ou por perceberem que estavam errados ou por diversos outros motivos. Nesse ritmo, cria-se um mito que vai se perpetuando e quem mais sofre com isso é o paciente, que acaba submetido a tratamentos ineficientes, obsoletos e, quase sempre, fundamentados em uma única tese inicial. Para desmistificá-los, penso que os interessados, ou seja, pais, professores, estudantes e profissionais de saúde, devem buscar informações seguras e filtrá-las. Não acreditando em tudo que está publicado ou divulgado.
Quais as causas psíquicas que contribuem para o desenvolvimento da dislexia?
Lou: No passado, acreditava-se que a dislexia causasse alteração hemisférica, com o hemisfério direito “maior” que o esquerdo. Esse é outro mito dos mais bizarros. No ano 2000, comprovei que, na verdade, havia apenas maior excitação ou inibição dos hemisférios e isso podia ser medido e equilibrado por aparelhos sofisticados em uso inclusive no Brasil. Ou seja, era a chance dos disléxicos se submeterem a exames e tratamentos muito mais sofisticados e eficazes. Apesar de receber apoio de importantes médicos que receberam muito bem minhas teorias, também dessa vez fui muito criticada pela “maioria” e tive restrições às minhas pesquisas. Mesmo assim, consegui provar a questão da maior ou menor excitabilidade hemisférica. E o comprometimento de algumas áreas cerebrais no processo alterado de leitura (dislexia). Em 2003, publiquei um livro chamado Distúrbios de Aprendizagem/Comportamento – Verdades que Ninguém Publicou, que trazia muitas novidades importantíssimas na detecção e tratamento da dislexia. Esse livro continua a ser editado, com o título Distúrbios de Aprendizagem e de Comportamento. Hoje, o que se aceita é que há, basicamente, três caminhos neurais para a leitura, localizados tanto na parte anterior quanto posterior do cérebro, sendo responsáveis pelo reconhecimento, análise e forma das palavras. Além disso, há um quarto “canal”, que pode ser acionado em situações que exigem articulação e análise simultânea das palavras. Esses caminhos constituem um sistema em que cada “canal” tem sua função na leitura e é ativado de acordo com a necessidade do leitor. Os disléxicos apresentam falha nesse circuito. Enquanto os considerados leitores “normais” utilizam as partes anterior e posterior do cérebro, o disléxico apresenta uma inibição ou subativação de caminhos neurais da parte posterior e uma excitação ou superativação da parte anterior do cérebro. O resumo é que essa falha na parte posterior do cérebro causa a incapacidade de transformar as letras em sons, ao analisarem as palavras, e o não reconhecimento rápido e automático das palavras.
Você é pioneira no estudo da dislexia adquirida. O que difere esta da dislexia convencional?
Lou: Preciso afirmar que, hoje, é aceita oficialmente, pela Ciência da Saúde, a dislexia adquirida por infarto da artéria cerebral posterior e outras doenças cerebrais. Entendo isso como uma vitória, depois de quase 40 anos que afirmo essas ocorrências. Ainda defendo a dislexia adquirida por anoxia perinatal/hipoxia neonatal e geral, mas creio que em breve também serão aceitas oficialmente. O que falta é essa informação chegar ao maior interessado que é o paciente e, também, aos profissionais que atuam tratando dislexia e outros distúrbios de aprendizagem. Em relação às diferenças, a convencional pode ser considerada possivelmente hereditária/genética, que faz com que algumas famílias sejam propensas ao distúrbio, ou seja, se o pai ou a mãe tem dislexia, os filhos têm mais probabilidade de apresentar dislexia. A adquirida é considerada quando há uma lesão ou choque (trauma) causados por acidente (pode ser um AVC, anoxia perinatal/hipoxia neonatal ou geral etc.). Outra diferença é na forma como se manifesta. A considerada convencional causa dificuldade ou ausência de aquisição de leitura. A adquirida causa perda da capacidade de leitura, ou seja, o indivíduo que antes lia com facilidade perde essa habilidade por causa de um acidente (lesão/choque). Aqui, cabe uma explicação: eu considero dislexia apenas distúrbio de leitura, e não de leitura e escrita, como alguns pesquisadores classificam. Penso que para definir distúrbio de escrita já há a disgrafia e a disortografia.
Adaptado do texto “O disléxico precisa de uma aprendizagem diferenciada”
*Lucas Vasques é jornalista e colabora nesta publicação.
Fonte: psiquecienciaevida