Conversar faz bem para a saúde?

A consequência do diálogo virtual vazio e sem o componente humano faz com que sentimentos como empatia, compaixão ou solidariedade fiquem mais difíceis de ser vividos e, por conseguinte, tornam-se menos intuídos ou aprendidos.

Uma cena corriqueira nos dias de hoje é encontrarmos pessoas juntas e ao mesmo tempo separadas, com os olhos fixos nos seus respectivos celulares. De tão comum, esta cena não chama mais a atenção de ninguém. Virou rotina nos restaurantes, bares e cafés. Resultado: há menos conversa presencial, “olhos no olhos”. Muitos podem argumentar que não veem nenhum problema nisto, posto que se o objetivo for conversar com outra pessoa, tanto faz se este diálogo acontecer na forma real ou virtual.

Mas não é tão simples assim, basicamente por duas razões principais:

– A primeira delas reside no fato de que conversar virtualmente, por meio de mensagens nas plataformas digitais, nos tira a oportunidade de ouro de reconhecer o outro pelas expressões corporais que, muitas e muitas vezes, espelham de uma maneira muito mais realística a verdadeira essência das ideias que aquela pessoa quer exprimir. Em outras palavras, a expressão facial não mente. Ao contrário, é capaz de revelar o verdadeiro conteúdo que, por qualquer razão, se deseja omitir. Quantas vezes já ouvimos algo do tipo: “esta roupa está linda em você” e entendemos que, no fundo, o interlocutor a considera um verdadeiro horror. Digitar “seu cabelo está maravilhoso”, seguido por um coração vermelho é muito diferente de encarar uma pessoa que está com o cabelo que você considera muito feio e dizer “seu cabelo está maravilhoso”, olhando-a nos olhos. A conversa presencial, portanto, nos torna capazes de aprender a intuir a essencial linguagem corporal dos sentimentos.

– A segunda razão baseia-se no fato de que conversar com alguém nas redes sociais, principalmente, ou no WhatsApp pode significar conversar com um personagem criado pela pessoa, e não com a pessoa real, cheia de defeitos e imperfeições. Alguém conhece alguém que, em seu perfil pessoal, não seja a pessoa mais maravilhosa, cercada dos melhores amigos, que come os pratos mais incríveis, que faz as viagens mais maravilhosas? É difícil encontrar, no mundo virtual, um humano com problemas reais com os quais nós todos nos identificamos.

A consequência deste diálogo virtual vazio e sem o componente humano faz com que sentimentos como empatia, compaixão ou solidariedade fiquem mais difíceis de ser vividos e, por conseguinte, tornam-se menos intuídos ou aprendidos.

O sentimento de solidão presencial pode ser uma das razões pelas quais algumas morbidades estejam crescentes nos dias de hoje. Não espanta, portanto, que o distúrbio de ansiedade atinja hoje, segundo estudos, mais ou menos 300 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, estima-se que haja 19 milhões de pessoas, de todas as idades, com distúrbio de ansiedade. As causas para a crescente ansiedade contemporânea são, sem dúvida, multifatoriais. Mas a sensação de solidão certamente compõe a gama de fatores desencadeantes.

Conversar presencialmente, portanto, faz bem para a saúde. Aprendemos a nos conhecer melhor com os outros, nos identificamos com seus problemas, exercitamos a capacidade de expressar nossos sentimentos de uma forma mais sincera e, principalmente, somos quase que “forçados” a ouvir pensamentos e ideias divergentes das nossas. Este aprendizado nos faz melhores pessoas quando entendemos que respeitar divergências pode engradecer o espírito.

A sabedoria popular nos diz que “quem canta seus males espanta”. Quem conversa certamente também consegue “espantar” muitos e muitos males.

Ana Escobar – Médica pediatra e professora na Faculdade de Medicina da USP
Fonte: G1