Perdas: como compreender e vivenciar

 “E enfrentando as muitas perdas trazidas pelo tempo e pela morte, tornamo-nos um eu que chora e se adapta, encontrando em cada estágio – até o último suspiro – oportunidades para transformações criativas”. JUDITH VIORST

Perda, palavra triste e temida por sua imediata associação com o significado de desaparecimento ou morte, atribuído a ela por vários dicionários da língua portuguesa. No entanto, mesmo nesses dicionários, sua significação pode trazer também algo mais abrangente como o ato ou efeito de perder ou ser privado de algo que se possuía (sem analisar a idéia de posse ou não), prejuízo, dano, o que remonta às suas origens no Latim Vulgar “perdita” significando tudo o que causa dor, sofrimento ou privação a alguém.

 

Que uma perda possa causar todos esses sentimentos a uma pessoa não há dúvidas, tampouco controvérsias quanto ao fato de elas não se constituírem apenas pela morte de entes que nos são muito queridos. O que podemos, então, pensar a mais sobre o assunto? Uma forma de responder a essa pergunta seria pontuar que essas perdas também incluem a perda consciente ou inconsciente dos nossos sonhos românticos, das expectativas de atingir algo impossível, das ilusões de liberdade, de poder e de segurança, além da perda do nosso “eu” jovem.

 

Todas essas perdas são universais, inevitáveis e inexoráveis, significando que nenhum de nós é capaz de proteger a nós mesmos ou aos que amamos de seus efeitos. Como nos proteger da dor e do sofrimento se eles são inerentes à vida? E sempre vai ser difícil e doloroso perder, em qualquer idade. Compreender o impacto dessa questão em nossa vida só mesmo nos permitindo refletir sobre a necessidade dessas perdas para o nosso crescimento pessoal.

 

Tão importante quanto essas reflexões é a percepção do amor, ou a perda dele, como causa de sofrimento, lamento e luto. Por que é tão difícil aceitar a perda de quem amamos? Talvez a explicação mais plausível esteja no que nos sugere John Bowlby, em sua Teoria do Apego. O ser humano apresenta a tendência em estabelecer fortes laços afetivos por necessidade de proteção, segurança e sobrevivência. Quando a figura de apego desaparece a resposta tende a ser de ansiedade e protesto emocional.

 

Como a perda da pessoa amada geralmente traz traumas psicológicos, são perfeitamente compreensíveis todas as manifestações apresentadas durante o processo de luto que se segue às perdas, tais como a lamentação, a descrença e negação, a raiva, a culpa, a idealização… Todas elas movidas pelo profundo amor dedicado à pessoa perdida. Elizabeth Kübler Ross organizou alguns estágios que conseguimos perceber em várias experiências de luto. A Negação e o isolamento; a raiva; a barganha; a depressão; e finalmente a aceitação. É claro que, como diz a própria Kübler Ross, e defendem alguns de seus críticos, não necessariamente nessa ordem ou obrigatoriamente em todos os casos.

 

Como as perdas não necessitam ser somente por morte, acrescentamos ainda as lamentações pelo fim de um casamento, de uma grande amizade ou ainda da pessoa que fomos um dia… No entanto, precisamos reconhecer a morte como a mais dolorida de todas as perdas, até mesmo por que é a mais definitiva. E como essas perdas representam o fim de coisas importantes que amamos, citamos novamente os estudos de Bowlby, para quando nos perguntarmos se essa lamentação nunca vai ter fim. É possível, sim, dar fim a um luto. Não há tempo certo, nem caminho perfeito, mas a necessidade da vivência do processo de luto a partir de algumas tarefas torna tudo um pouco menos difícil.

 

Uma dessas tarefas diz que precisamos reposicionar em termos emocionais a pessoa morta e a partir daí continuar nossas vidas. Como que encontrar para ela, um lugar especial em nossas vidas, que bem pode ser em nossas lembranças. Fácil? Muitos provavelmente dirão que não. Mas precisaremos certamente escolher o que fazer em caso de perda por morte, com os nossos entes queridos que se foram. Escolheremos entre morrer com eles; viver como incapacitados ante a perda; ou tecer com a dor, o lamento e a lembrança, uma forma de adaptar-se ao mundo sem este ser amado.

 

É possível e até esperado que superemos, naturalmente, um luto por uma perda muito significativa em nossas vidas, porém, às vezes necessitamos de ajuda quando esse mesmo luto se complica e não conseguimos sair sozinhos do processo. Em qualquer das duas situações acima e mais especificamente na segunda, é aconselhável que busquemos suporte na psicoterapia… Os sentimentos, sensações físicas e comportamentos típicos de uma pessoa enlutada poderão, na terapia, ser trabalhados e ressignificados através da tomada de consciência dos estágios e da facilitação da vivência das tarefas do luto.

 

Poderemos, ainda, nesse processo, perceber que somos suscetíveis a perdas, que elas são inerentes ao nosso processo de crescimento. São os resultados de nossas escolhas ao longo da vida. Aceitar que também convivemos com os ganhos, ninguém é tão somente perdedor ou ganhador. São os riscos dessas escolhas. A perda mais definitiva é a morte e todas as outras nos preparam para ela. A nossa própria e a dos que amamos. Para, enfim, resgatar a nossa compreensão sobre nascer, separar, crescer e morrer.

 

Que a nossa existência é finita não deixa mais dúvida nenhuma aos seres humanos, únicos seres vivos que têm essa consciência. Acreditamos que talvez, por isso, seja importante falar de esperança. De esperança de continuidade nos filhos e netos, na natureza, nas obras que realizamos ao longo de nossas vidas e também de continuarmos, após a morte, em outro tipo de vida como apregoam algumas religiões. Essa esperança, no entanto, jamais nos tirará a certeza de nossa finitude.

Glória Ferreira – Psicóloga
*Da equipe Cuidarte