É importante sentir medo, mas em excesso paralisa; saiba como equilibrar

Ao longo da vida, todos nós sentimos medo. Ele aparece tanto em momentos específicos, como ao andar em uma montanha-russa, ou permanece a vida toda, como um medo de altura, de falar em público ou de baratas. Cada pessoa tem medos próprios, que fazem parte de quem ela é e têm muitas origens e explicações possíveis.

Além dos medos particulares, há também os medos “comuns”, de que todos partilhamos: medo de morrer, de ficar doente, de tempestades ou furacões. Estes são medos ligados à natureza humana, que direcionam o ser humano rumo à sobrevivência. Esta, aliás, é a principal função do medo: fazer com que a pessoa aja e consiga escapar com vida de situações arriscadas.

Mas nem sempre é possível dominar o medo. Para muitas pessoas, ele é paralisante e se sobrepõe a qualquer tentativa de racionalização da situação. E é justamente quando o medo começa a atrapalhar o cotidiano que ele vira um problema maior. A boa notícia é que até medos paralisantes podem ser ressignificados.

É importante sentir medo

O medo é uma reação a algum estímulo ameaçador, que pode ser real ou imaginado. O cérebro reage colocando o organismo em estado de alerta, o que provoca alterações por todo o corpo: aceleração dos batimentos cardíacos, desconforto intestinal, insônia e sono agitado.

Ele é algo natural e protetor e faz com que nos previnamos de situações arriscadas. Sem o medo, atravessaríamos sem olhar para os lados, andaríamos em ruas escuras sozinhos, passearíamos no parapeito dos prédios, não cuidaríamos da saúde. É claro que não é possível controlar tudo ou viver em um ambiente totalmente seguro. O que importa é identificar o tipo de medo e conseguir transformar o estado de medo em prudência e cautela.

Manifestações

Ele pode se manifestar de diversas formas, como ansiedade ou algo mais sutil, como quando uma pessoa rejeita um interesse amoroso pelo medo de sofrer ou de a relação não dar certo.

Veja alguns tipos:

  • O medo racional é pautado em algo possível e o irracional, em algo que não tem sentido, mas mesmo assim se faz presente;
  • O medo emocional é caracterizado por temores que podem causar prejuízos emocionais, como medo de fracassar ou de ser rejeitado;
  • O medo instintivo faz parte da nossa “programação”. Temos uma série de medos primitivos, como medo de ser comido por um bicho, medo do escuro, medo das tempestades, dos movimentos da natureza. Estes medos existem desde que o homo sapiens existe na Terra. São medos naturais, que nós também vemos nos animais. Eles estão associados à preservação da espécie e da sobrevivência;
  • Com o desenvolvimento do homem, sua capacidade de pensar e refletir, ele passa a ter medos que nem sempre estão ali presentes, como o medo do futuro e a ansiedade. Eles nem sempre são reais, podem ser de coisas imaginadas ou subjetivas.

Quando o medo é ruim

Os medos podem ser genéticos, aprendidos na infância, pela educação ou copiando o modelo de comportamento dos pais. A origem depende de como cada um se relaciona consigo mesmo, por isso a ajuda de um psicólogo na busca pelo autoconhecimento pode possibilitar reconhecer os medos e a forma como eles se manifestam nas nossas vidas.

Isso é importante quando o medo vira algo prejudicial. Se ele é excessivo, pode virar uma fobia e atrapalhar o dia a dia da pessoa. Além de não conseguir reagir às situações que a assustam, ela passa a evitá-las, e pode perder oportunidades ou deixar de viver momentos prazerosos devido a um medo pontual.

Pode acontecer também de o indivíduo nem saber a origem daquele medo —conhecido como medo irracional. São situações que nem a própria pessoa consegue explicar. Racionalmente ela entende que está tendo uma reação exagerada, mas não consegue agir de maneira diferente. Casos assim podem gerar pavor, pânico e paralisação ou até reações físicas como mal-estar, vômitos e desmaios.

Como não deixar que o medo nos paralise?

Sentir medo não é uma doença, e ficar paralisado não é uma questão de escolha. É preciso descobrir estratégias para lidar com ele e não deixar de agir.

O auxílio pode vir em vários formatos: atividade física, meditação, técnicas de respiração, tratamentos e medicamentos. Buscando fortalecimento emocional e autoconhecimento, é possível entender as causas, fazer a regulação cognitiva das emoções e modificar comportamentos.

Dentro da terapia cognitivo-comportamental, por exemplo, são utilizadas diversas técnicas com o intuito de auxiliar quem sofre prejuízos na vida por conta dos medos. O profissional e o paciente, juntos, investigam as causas para ressignificar crenças e esquemas disfuncionais.

A dessensibilização sistemática, uma das técnicas mais comuns em tratamento de fobias, consiste em expor o paciente ao fator do medo de maneira progressiva. Através da repetição, cria-se uma situação de hábito com aquilo, e o medo fica menor.

Em muitos casos, o medo de determinadas coisas ou situações nunca desaparece por completo, mas a pessoa consegue encontrar jeitos de criar uma relação mais ajustada com aquilo.

Existem pessoas mais medrosas e outras mais corajosas?
Existem pessoas que tendem a olhar para as coisas do lado mais difícil e perigoso. Elas vivem com a sensação de uma ameaça permanente e são temerosas de tudo, até mesmo de hipóteses (como não querer ir ao médico por medo do que possa aparecer no diagnóstico).

Pessoas medrosas se arriscam menos, e por isso acabam perdendo oportunidades importantes. Isso não quer dizer que ela é fraca, e sim que está reagindo à própria história de vida.

Pessoas mais corajosas costumam ser mais seguras de si, com uma autoestima melhor e coragem de se arriscar. Na maioria das vezes, tiveram uma criação com apego seguro, desenvolvendo ligações afetivas importantes com os pais ou cuidadores e cresceram acreditando em si mesmas e se valorizando. A coragem depende da segurança que a pessoa tem nela mesma, na sua capacidade de resolução de problemas e de sua autoconfiança.

Uma pessoa pode não ter medo de pular de paraquedas, mas ter medo de barata. Os medos não são lineares. Ninguém é totalmente corajoso nem totalmente medroso.

Fontes: Marina Vasconcellos, psicóloga pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), especialista em psicodrama terapêutico pelo Instituto Sedes Sapientiae, psicodramatista didata pela Febrap (Federação Brasileira de Psicodrama) e terapeuta familiar e de casal pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); Blenda de Oliveira, psicóloga clínica formada pela PUC-SP, psicanalista pela SBPSP (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo); Cris Gebara, psicóloga e terapeuta cognitivo-comportamental, mestre em ciências pela USP (Universidade de São Paulo), docente do curso de especialização em TCC em saúde e pesquisadora pelo Programa Ansiedade do IPq HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP); Thais Rueda, psicóloga pela Universidade Veiga de Almeida, psicóloga do esporte e do exercício pelo CEPPE (Consultoria, Estudo e Pesquisa da Psicologia do Esporte) e pós-graduada pelo CPAF-RJ (Centro de Psicologia Aplicada e Formação em Terapia Cognitiva Comportamental).

Fonte: UOL