Um olhar da psicologia sobre Elena

Documentário fala sobre suicídio e resgata memórias afetivas da cineasta Petra Costa.

Há cerca de dois meses vinha pensando em escrever sobre um tema silencioso e ainda envolto em brumas: o suicídio. Ao pesquisar sobre o assunto assisti a um debate on-line promovido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), li matérias antigas e recentes sobre o assunto, baixei apostilas da OMS orientando médicos e profissionais de imprensa de como lidar com o tema, e por fim encontrei uma reportagem sobre o documentário Elena, da atriz e cineasta Petra Costa, que usou a história da irmã – nome título da obra – para estrear seu primeiro longa metragem. Então decidi usar o filme para abordar a questão pontuando o texto com um olhar da psicologia.

Após ver o documentário, acredito, como psicóloga humanista que sou, mais ainda que nós somos capazes de encontrar nossos próprios caminhos em busca do equilíbrio e da autorregulação. É isso que Petra faz nessa obra. Por meio dela, a cineasta consegue reelaborar o luto e exorcizar Elena de dentro de si, colocando-a no seu devido lugar (levando-a para suas memórias e guardando-a no seu afeto).

Petra consegue dialogar de modo brilhante consigo e com os expectadores sobre um tema ainda envolto em tabus de um modo realista, e sem o tom condenatório tão comum a ele, pois na obra não importam os porquês, mas o como a irmã se construiu, como foram suas vivências juntas.

Penso que o assunto precisa ser falado, discutido, esmiuçado para que as pessoas vulneráveis possam ser ajudadas e as que convivem com esses sujeitos consigam perceber os sinais que uma pessoa com ideação suicida dá, de modo que o suicídio possa ser evitado. Há um consenso que quando se noticia o suicídio pessoas vulneráveis podem se identificar e levar a ideia de eliminação voluntária a cabo. É fato que existe o fenômeno que os especialistas chamam de contágio, mas por outro lado uma matéria feita com responsabilidade, buscando profissionais respaldados para discutir sobre o assunto ajuda positivamente a informar. O que não vale e é pernicioso é o sensacionalismo e, infelizmente, o tratamento da imprensa no Brasil em relação ao tema ainda é superficial e distante. Mas basta concluirmos que silenciar sobre o suicídio, não o elimina.

A SINOPSE DO FILME

Elena viaja para Nova York com o mesmo sonho da mãe: ser atriz de cinema. Deixa para trás uma infância passada na clandestinidade durante a ditadura militar e uma adolescência vivida entre peças de teatro e filmes caseiros. Também deixa Petra, sua irmã de sete anos. Duas décadas mais tarde, Petra também se torna atriz e embarca para Nova York em busca de Elena. Tem apenas pistas: fitas de vídeo, recortes de jornais, diários e cartas. A qualquer momento, Petra espera encontrar Elena andando pelas ruas. Aos poucos, os traços das duas se confundem. Já não se sabe quem é uma e quem é a outra. Elena é um filme sobre a persistência das lembranças de Petra em relação à irmã, sobre a irreversibilidade da perda, e o impacto causado na menina de sete anos pela ausência da irmã, a quem Petra chama de sua “memória inconsolável”.

O documentário trata de questões como o feminino, o luto, a família e muito do que permeia a vida – não só dela e de sua família – mas a de todos nós, na ocorrência inexorável das perdas, da existência de vivências emocionais dolorosas e do nosso lado escuro (a depressão de Elena, a negação da depressão de Petra como reação à morte da irmã, a culpa e tristeza escancarada nos olhos da mãe).

Ela faz um resgate não só da história de sua irmã por meio de memórias, mas, sobretudo nos diz como mensagem de fundo acerca da sobrevivência dos que ficam após o suicídio de um familiar. O documentário fala de perto sobre as reações às perdas reais e simbólicas. Petra conseguiu com o documentário resignificar a vivência da morte trágica e precipitada de Elena aos 20 anos, e também a colocou no seu devido lugar, como já pontuei.

Tive a impressão que o documentário foi realizado, mesmo que como estratégia  inconsciente, não só para amenizar a dor da culpa que a irmã e a mãe sentiam pela morte de Elena, mas também como forma de Petra conhecer Elena e a si mesmo. Ao reviver tantas memórias da irmã deixadas em vídeos e diários. Para mim um dos momentos mais doces do filme é a dança na água, quando a narradora Petra diz: “As dores viram água, e pouco a pouco viram memória”.

A água nas cenas da dança simboliza exatamente nossas emoções, que para mantermos fluídas precisamos deixa-las escorrer. Se represarmos o rio nesse ponto, ele pode sair do leito e, assim, adoecermos, mas se vamos ao encontro delas, as águas voltam para o leito e correm tranquilas. Petra encontrou na realização do filme o seu caminho, fazer terapia pode ser outro meio para as emoções escorrem e encontrarem seu lugar.

Por Adriana Lemos – Psicóloga e jornalista
*Da equipe Cuidarte