O ato de cortar-se é uma forma de por para fora uma dor emocional não falada
Quem já assistiu a obra cinematográfica Cisne Negro vê não só belas imagens, maquiagem perfeita, mas também pode acompanhar uma história rica em conteúdo sobre o ser humano. Em linhas gerais, o filme trata do drama vivido pela personagem interpretada pela atriz Natalie Portman, dos polos de sua personalidade frágil/forte, do mundo de competição do balé e, fala ainda, do transtorno de automutilação ou cutting (cortar/cortando).
Em momentos de angústia e ansiedade a personagem costuma se ferir, promovendo o alívio daquele momento de dor emocional. Esse transtorno, na vida real, é mais comum que se imagina, e pode ser desencadeado por distúrbios psicológicos.
Segundo os especialistas, a prática estaria ligada à culpa e é comum entre os adolescentes, podendo ainda ocorrer em casos de ciúme, por exemplo, quando a pessoa se fere para atingir o outro. A depressão também é um dos casos que leva a automutilação devido à necessidade de deixar de sentir tristeza, bem como os transtornos alimentares podem estar presentes em comorbidade com o cutting.
A automutilação pode ser olhada como a externação de algo não dito, o não falado. Assim, a automutilação seria um ‘grito’, ‘um pedido de socorro’, o ‘externar o silêncio’ e ainda o meio encontrado para liberar a ansiedade.
Ainda segundo os estudiosos da área, a automutilação é feita de forma consciente e não está ligada a ideação suicida. Os ferimentos são realizados geralmente em locais que não podem ser vistos por familiares e amigos. Mas por outro lado, as lesões podem ser feitas em área visíveis para chamar a atenção ou se obter os chamados ganhos secundários.
Para a psicóloga de base psicanalítica, Polliana Melo, a automutilação é um comportamento agressivo, mesmo que algumas pessoas fiquem se machucando, muitas vezes até “sem perceber” o que estavam fazendo.
Ela pontua que geralmente que tem a prática do cutting, afirma automutilar-se com a intenção de interromper uma dor emocional muito forte. É como se fosse uma troca da dor emocional pela dor física.
“Mas logo após uma crise de automutilação é comum sentirem culpa e uma sensação de fracasso ainda maior. Também existe a possibilidade de que a pessoa que mutila seu próprio corpo está tentando sentir algo. Esta pessoa tem tamanha dificuldade em entrar em contato com seus sentimentos que não percebe qualquer sensibilidade em si mesmo, e na tentativa desesperada de sentir, machuca seu corpo”, acrescenta.
Para o tratamento deste transtorno se faz necessário acompanhamento interdisciplinar de médico psiquiatra e de um profissional de psicologia. De modo que o sujeito possa ser acolhido em sua singularidade e, a partir do encontro entre humanidades propiciado pela psicoterapia, possa elaborar seus sentimentos, emoções e atos.
Aos pais e familiares a orientação é fomentar o diálogo nas suas relações, já que a automutilação, como já falado é uma forma de gritar, de comunicar sobre a dor emocional que se sente e não se fala. Em suma, o encontro genuíno entre as pessoas se faz pelo diálogo, onde cada um pode comunicar e se sentir aceito em sua singularidade, sobretudo aceito por si mesmo e ter a confirmação da aceitação do outro.
Por Adriana Lemos – Jornalista e psicóloga
*Da equipe Cuidarte
*Colaborou a psicóloga Polliana Melo