*Por Sérgio Batista, psicólogo da Cuidarte | CRP 21/01373
Conviver com a vergonha é um fardo pesado demais. Eu sei. Essa, inclusive, foi uma das dificuldades que me empurrou para o curso de Psicologia e para a busca do autoconhecimento.
Lembro que minhas orelhas eram frequentemente o lugar em meu corpo onde a vergonha se cristalizava. Toda a minha cabeça ficava quente e parecia um vulcão quando imaginava as pessoas rindo do meu fracasso ou me humilhando por ser pobre de recursos.
“E se souberem que fui menino de rua”?/E se souberem que volto a pés para casa e não posso pagar o ônibus”?/”Não, ninguém pode saber que tenho dificuldades para me alimentar, que não tenho roupas para sair, que sou adotado, enfim, ninguém pode saber de minhas dores, se não vão me humilhar”.
Não dá pra fingir que a gravidade não existe, não é mesmo? Com as lições da vida adulta, psicoterapia e autoconhecimento, o pensamento doloroso e mágico foi sendo lapidado pelo diálogo franco, pela autoafirmação e pela DES-VITIMIZACAO (por que não?).
Anos depois de formado, com consciência ampliada e olhar mais centrado e menos julgador, resolvi aprofundar a auto investigação desse sentimento em mim. E a luz se acendeu: “O problema e soluça, o sofrimento e leveza estão dentro e não fora de mim”. O primeiro a me atacar era eu mesmo. O primeiro a julgar era o meu julgador interno.
Foi um mergulho 2 anos de estudo de grupos e terapia pessoal!
Pronto! Minha gestalt se fechava ali. No fundo a vergonha estava me dizendo: ” mostre-se ao mundo como você é”. E resolvi pagar o preço.
Compreenda uma coisa muito importante sobre a vergonha. Ela é um sentimento de base moral que quase sempre reflete algo que diz respeito ao medo da rejeição e ao senso de inadequação baseado na maneira como os outros vão nos ver. A compreensão da vergonha nos revela duas facetas: 1) É uma defesa contra o medo da rejeição e da exclusão que nos traz sofrimento na medida em que necessitaremos de uma grande quantidade de energia mobilizada e gasta para manter em segredo o que não permitimos mostrar, e que consideramos inadequado (seja fracasso, fraquezas, falhas, atitudes, hábitos, padrões de funcionamento, aspectos de nossa sexualidade etc).
Por essa razão, a vergonha pode ser considerada uma FORMA DE DEFESA primitiva e pouca eficiente, porque, se observada com compaixão e consciência, ela é um disfarce infantil para não assumirmos quem nós somos. E considero infantil (do ponto de vista de mecanismos psíquico que moldam nossos padrões de funcionamento e dos estudos sistêmico das interações humanas) pois se trata de crenças, partes de nós, de nossa história, experiências que registramos como algo errado ou inadequado vindo de nosso sistema familiar e social e que introjetamos. E como esse mecanismo de defesa infantil nos impacta e pode nos trazer sofrimento? Veja bem: quanto mais excluímos as coisas pelas quais nos envergonhamos, mais paralisada fica a nossa energia de vida, nosso corpo, nossas emoções e ações dirigidas á vida plena, nossa leveza e autenticidade. A nossa conexão fica comprometida. Se não há conexão(essencial para haver trocas, enriquecimento, crescimento e aperfeiçoamento de habilidades, capacidades e virtudes) como posso me desenvolver como pessoa? Se a partilha com o mundo e as pessoas é ausente como posso construir potência, felicidade e exercitar a criatividade coletiva?
Ao mesmo tempo a vergonha se apresenta como uma ( segunda faceta) MENSAGEM/MENSAGEIRA do que há de mais profundo em nossa essência: nossa espontaneidade, nossa autenticidade e autoafirmação. E a mensagem, o que a vergonha está nos dizendo é: “ASSUMA O QUE VOCÊ É”.
A vergonha é, dentro dessa segunda perspectiva, um pedido de autoafirmação, ainda que envolva incômodos e até mesmo sofrimentos. É como se fosse um letreiro ou outdoor de nossa alma onde está escrito: mostre-se como você é. E acredite: a liberdade de reconhecer e validar quem nós somos é liberta-DOR.
Saiba que existem caminhos e possibilidades de mudanças e girar a chave e transmutar o impacto da vergonha em nossa vida. O primeiro passo que sugiro é investir em seu autoconhecimento. O autoconhecimento pode te dar o poder de bancar quem você é. Busque cursos de desenvolvimento pessoal, psicoterapia, explorar outras culturas e convivência com o novo e diferente. Segundo: Dê voz a sua vergonha. Ouça o que sua vergonha tem pra te dizer e permita que ela se expresse. Se falarmos abertamente sobre ela, ela começa a murchar, perder força e aos poucos vai se desmanchando. Então, fale, fale e fale. Falar sobre a sua vergonha pode colocá-la de joelhos sobre os seus pés. Assim como não há como negar o peso da gravidade, também não há como deixar de pagar o preço quando se atreve a bancar quem se é. Então “OCUPE O SEU LUGAR NO MUNDO E PAGUE O PREÇO”.
Para auxiliar em seu desenvolvimento pessoal:
• Em que pontos de minha vida eu sinto a presença da vergonha?
• O que a vergonha provoca em mim?
• Se ela pudesse se expressar, o que me pediria?