A alma humana é um solo sagrado no qual é difícil permear. Ir ao psicólogo é, então, desnudar a alma, entregar a uma pessoa “estranha” o que se tem de mais bonito, feio, doloroso, amargo, quente, feliz, são, doente. Coloco o psicólogo como estranho na minha fala para lhes dizer que é o que ele precisa ser. Provavelmente, ninguém vai ao psicólogo (ou se vai não deveria) esperando que ele seja um parente, um amigo e que vai lhe dizer o que você quer ouvir. No fundo ele precisa ser um estranho, para que você entenda-o como alguém imparcial, que estudou para estar naquele lugar e que tem os ouvidos prontos para lhe escutar. Por outro lado, o coloco como pessoa, porque é o que ele é, e precisa ser, para entrar em contato com outra pessoa, sendo empático, honesto, livre (de julgamentos, preconceitos) e humano. Afinal, Jung já nos falava sobre tocarmos uma alma sendo nada mais que outra alma.
A psicoterapia não é um processo rápido e muito menos fácil. Mas o que a torna difícil mesmo é o tempo em inicia-la. O que pode fazer com que alguém, ou nós todos, tenha tanto temor acerca da razão sobre a qual se faz terapia? Poderia ser a falta de problemas, mas essa hipótese já está descartada, visto que psicólogo faz papel de bombeiro sim, quase sempre, mas também pode ser um bom paliativista. O que quero dizer é que por mais íntimo e único que seja o motivo pelo qual procuramos a psicoterapia, muitas vezes só atentamos para o mesmo quando ele explode e faz ferimentos internos bruscos. É óbvio que ninguém gosta de tocar numa ferida, quanto mais na própria ferida, mas e se eu lhes disser que essa ferida pode ser cicatrizada por meio da fala sobre ela? Estranho, não? Seria, se o adoecimento da alma não fosse algo ao qual estamos todos propensos diariamente, humanos que somos.
O exercício de se observar e falar sobre si só compete a nós mesmos. E é justamente esse exercício, praticado em psicoterapia, que nos permite o aprendizado diário sobre nós. Não sobre quem somos, mas sobre quem estamos. Não que nossa característica de ESTAR nos impeça de SER, ao contrário, ela também nos permite ser passageiros onde não vale mais a pena demorar. Esse processo demorado e que pode ser denso, é também libertador. Aceitar quem somos/estamos nos dá a possibilidade vigente da vida: dar conta de si mesmo e se perdoar. Se transformar. Se querer. Se gostar. Provavelmente, nesse caminho, também precisemos perdoar os outros, afinal, esse momento é, principalmente, para nos responsabilizarmos pela nossa vida, pelas nossas escolhas e quando fazemos isso, vamos tirando vendas que cobriam nossos olhos e nos faziam culpar tais outros por nós mesmos.
A psicoterapia nos permite caminhar a partir do incômodo que nos faz chegar até ela. Se não estiver sendo assim, reveja tudo: o processo, o profissional, mas, especialmente, reveja a si mesmo. Na tentativa de ser o melhor para nós mesmos precisamos estar atentos às nossas teorias, às nossas autosabotagens, às nossas absolutas verdades, aos nossos padrões e repetições, que nem sempre são conscientes, mas estão ali, acontecendo dentro e fora da gente, e revejamos ainda, o quanto estamos sendo verdadeiros com nós mesmos e com o nosso processo terapêutico para que ele realmente aconteça. O quanto temos sido capazes de tocar em nós mesmos ou o quanto estamos esperando que outro faça isso diante da própria dificuldade de entrar em autocontato. Afinal, pode ser muito cômodo se fadar ao autoboicote responsabilizando outrém.
Refazendo em si mesmo a habilidade de se responsabilizar pela própria vida passamos a atuar como protagonistas da mesma, o que pode nos levar a refletir em dúvida: não é onde sempre estivemos? Na verdade, não. A psicoterapia também pode ter o papel de nos possibilitar dar essa olhada por dentro e fazer esse caminho de volta, bem como todos os caminhos que quisermos refazer. Poderemos ainda desfazer caminhos, afinal, se tudo é construção, desconstruir pode nos levar a novos lugares que desconhecíamos dentro de nós mesmos.
Restaurar esse papel de importância em nosso “infinito particular” nos faz acreditar de novo em nós mesmos e em como desejamos ficar/ser/estar. Descobrimos um universo que conspira sim, contra ou a favor, mas se estamos do nosso lado e torcida a gente vai ter de volta não apenas o que dá, mas o que permite receber. Se nos considerarmos merecedores de pouco, rapidamente estaremos satisfeitos, mas se quisermos mais será de grande valia não esquecer que olhar para dentro pode nos tornar melhor do que a gente já acredita ser e menos juízes de nós mesmos e do mundo.
Findo dizendo que apesar da intenção ter sido de lhes falar sobre como pode ser transformadora e libertadora a experiência de cuidar de si mesmo, através da psicoterapia, e sobre o quanto amar a si mesmo salva e nos faz viver melhor com quem nos rodeia, não existe receita sobre a vida, além de se permitir vivê-la. Cuidar de si mesmo é só um bom modo de fazer esse caminho ser mais leve, pleno e feliz!
Por Samantha Sandy Rocha – Psicóloga