Somos influenciados o tempo todo pela família, por amigos, desconhecidos, notícias, publicidade, filmes, livros e cursos. Até aí, nenhum problema. Não nascemos com convicções prontas e é a partir das ideias alheias que formamos nossas próprias. Mas nem todas as influências são positivas. Embora essa mistura de mensagens, opiniões, valores e circunstâncias sirva de matéria-prima para constituir singularidade, ela pode ocupar o lugar da percepção particular do mundo.
Como tudo na vida, o problema está na dose. Não é saudável desmerecer os próprios pensamentos, não agir de acordo com o que se quer, gosta e precisa ou viver para satisfazer as expectativas e interesses dos outros. Isso geralmente acarreta muito sofrimento.
Infância pode ser ponto de partida
A troca com o outro é realmente essencial ao longo da vida. “Ninguém aprende quem é a não ser por meio do outro. O próprio desenvolvimento do nosso ‘self’, que a gente considera tão exclusivo, é moldado no outro. Então, são interessantes essas trocas constantes com outras pessoas”, diz Jocelaine Silveira, professora de psicologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná). Sem elas, a gente corre o risco de estacionar nas crenças antigas e não evoluir como ser humano.
Dulce Critelli, professora de filosofia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) concorda. “Influência é uma palavra pobre para falar desse fenômeno que é fruto da convivência, da comunicação. Uma pessoa isolada não conseguiria formar opinião de nada. Aquilo que a gente vê é porque aprendemos a ver com o outro. Isso não é ruim nem bom. É assim”. Ou seja, prestar atenção no que o alguém diz quando isso faz sentido para nós não nos torna uma “Maria vai com as outras”.
Entretanto, algumas situações quando se ainda é criança podem atrapalhar esse faro ao diferenciar conselhos que fazem sentido ou não. Quando as opiniões ou ideias da criança são reprovadas ou ridicularizadas principalmente pelos pais ou cuidadores, que muitas vezes a punem por isso, ela se começa a ser tornar mais sugestionável. “Experiências assim vão levando a um recolhimento”, diz Silveira.
Quando cresce, a pessoa se sente desencorajada a expressar seus pensamentos e passa a tomar emprestado o ponto de vista de outras. Ela se protege das possíveis consequências de revelar o que pensa, valendo-se da coragem, do prestígio ou da “autoridade” de quem já está se expondo. De quebra, evita o incômodo de reviver emoções difíceis da infância como rejeição, insegurança e a frustração de não ter suas convicções validadas pela sociedade.
Mas essa fuga não faz bem. “A pessoa se sente menos desafiada a fazer alguns enfrentamentos e colocar à prova como seria a reação dos outros frente às opiniões dela”, diz Silveira.
O problema é que esse processo raramente chega à consciência da pessoa. Por trás da atitude de aceitar incondicionalmente o que os outros dizem, em geral há escondido um sentimento de menos-valia e uma perspectiva negativa sobre si mesmo. São pessoas que não se consideram inteligentes o bastante para levar suas ideias em consideração. Ficam desconectadas de si mesmas e engrandecem o outro, a quem confiam a tarefa de pensar por elas.
A influência explicada pela ciência
Para concordamos com alguém ou alguma coisa, precisamos nos identificar com o que está sendo dito. “Quando existe sintonia entre duas ou mais pessoas envolvidas em uma conversa, por exemplo, o senso de discórdia é baixado. E isso se reduz porque o funcionamento da amígdala [estrutura cerebral relacionada a reações emocionais], assim como o dos lobos frontais [relacionados ao planejamento de ações e movimento], entra em alinhamento com as emoções daquele momento e a influência acontece”, explica Fernando Gomes, médico neurocirurgião e neurocientista do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Um dos fatores que mais contam na hora de sermos influenciados é justamente a emoção. “As informações nunca nos influenciam só pelas ideias em si, mas também por como nos capturam emocionalmente. Depende dos pontos afetivos em que elas nos tocam”, enfatiza Critelli. Mais do que isso. Somos convencidos de algo pela associação de emoção, palavras, imagem e circunstâncias. Quanto mais atrativa for essa combinação, mais seduzidos ficaremos por ela.
É por isso que uma defesa entusiasmada de uma ideia, feita por alguém que usa as palavras certas e consegue mexer com os nossos sentimentos tende a fisgar a nossa atenção. Sobretudo se for algo que desperta paixões ou fatos importantes do nosso dia a dia. Como acontece nas redes sociais. Se a pessoa não pensar a fundo sobre o que está lendo, vendo ou ouvindo, as chances de acreditar que aquilo é uma verdade absoluta são grandes. “As coisas não precisam ser verdadeiras para acreditarmos nelas. Precisam ser plausíveis. Ter uma explicação com começo, meio e fim. É por isso que uma mentira bem contada faz sentido”, diz a filósofa.
Principalmente quando o que está em jogo é a possibilidade de se sentir acolhido. “Pensar igual ao outro é ter abrigo num lugar, pertencer a um grupo. Um sentimento de pertença que faz a pessoa ficar ligada ao outro”, ela resume. E acrescenta. “Nos tempos atuais, as pessoas não são dirigidas pelas suas ponderações e reflexões. Mas pelas crenças e histórias fáceis. O que for crível, viável, se torna verdadeiro. Elas não precisam ter o trabalho de pensar”. O discurso alheio tende a influenciar a nossa percepção mais facilmente quando estamos distraídos.
Sabendo disso, os influenciadores digitais falam da maneira mais convincente possível, de modo que não haja margem para desconfianças. “As mensagens são embaladas de uma forma estratégica por quem quer influenciar de forma confiável. E com a vida corrida do dia a dia, é comum uma pessoa absorver melhor uma informação baixando a guarda e sem perder mais tempo em buscar algo diferente ou que possa contradizer aquela informação”, diz Gomes. Com isso, perdemos a riqueza que a variabilidade de opiniões tem a oferecer, assim como a possibilidade de extrair o que há de melhor em diferentes pontos de vista.
O problema é não questionar
Não nos falta apenas tempo para checar a procedência e a veracidade das informações, especialmente na internet e nas redes sociais, onde são criadas e substituídas a todo momento. Não ter o hábito de questionar se elas têm fundamento ou se são importantes é outra brecha para sermos influenciados de maneira cega. É por isso que a publicidade e as notícias falsas surtem tanto efeito. “A porta de entrada do lobo frontal fica sem uma barreira. Assim, o grau de preconceito reduz e o cérebro muitas vezes não faz uma pausa para diferenciar, até por uma economia de energia”, salienta Gomes.
Como resultado, a pessoa não compara o que pensa com o que o outro diz. “Aprender a pensar é muito complicado. É mais fácil a gente seguir aquilo que lê ou vê, funcionar pela crença e não pelo exercício do pensamento”, diz Critelli. Mas não deveria, a reflexão é indispensável para não nos enganarmos pela aparência das coisas. “Quanto mais formação e informação a pessoa tem, maior é sua capacidade de se autorregular, pensar, dirigir a própria vida e medir a entrega que faz para quem não necessariamente tem o melhor pensamento, mas que chama mais a atenção”, analisa a filósofa.
Encontre o equilíbrio
Desfrutar do lado bom das influências requer muita reflexão. É possível começar essa tarefa fazendo algumas perguntas a si mesmo. O que o está motivando a ser excessivamente influenciado por alguém? Você também pensa assim? Se você fosse se expressar sem nenhum receio de censura, o que expressaria? Você consegue se diferenciar, mesmo ouvindo várias pessoas e achando bacana a opinião de uma ou de outra? Como você se sente quando descreve para si mesmo sua percepção, opinião e seus sentimentos sobre um determinado assunto?
Embora seja um exercício simples, ele ajuda a entrar em contato com as necessidades e verdades próprias, que muitas vezes são diferentes das dos outros. “Ele vai na direção de um comportamento mais saudável, que é não se desconectar de si mesmo. De se manter em contato com os outros conseguindo fazer essa diferenciação, do que é o outro e de quem somos”, diz Silveira. Mas só isso não basta. É necessário também desenvolver um senso crítico para não ser manipulado.
Para algumas pessoas, aceitar influências é uma estratégia para evitar conflitos. Só que muitas vezes o preço do apaziguamento é abrir mão da própria personalidade, o que nunca compensa. Se situações assim acontecem com frequência, está na hora de repensar as relações. A melhor maneira de se sentir bem é ter por perto pessoas que validam suas percepções e perspectivas. “Às vezes é necessário procuramos uma audiência que nos acolha, que valorize a nossa opinião independentemente de qual seja”, conclui a psicóloga. Nem sempre é fácil, mas vale muito a pena.
Fonte: UOL