Esse tipo de distúrbio pode ser entendido dentro do espectro do cenário dos adictivos, nos quais se observam conflitos entre o prazer na efetivação das ações exageradas e as consequências negativas em função do seu descontrole.
Uma área muito desafiadora para o psicólogo clínico trabalhar é a que se refere aos transtornos do exagero. Fazem parte dos transtornos do exagero a dependência química, o jogo patológico, a dependência de internet, o sexo compulsivo, o comprar compulsivo e a tricotilomania, transtornos estes que têm um curso crônico e altas taxas de recaída. É preciso destacar que é necessário que seja feito um diagnóstico diferencial entre os transtornos do exagero e outros diagnósticos em que, por um período de tempo, há um descontrole de impulsos, como é o caso dos pacientes que apresentam o transtorno afetivo bipolar durante o episódio maníaco ou hipomaníaco. Os indivíduos com transtorno bipolar podem ter um aumento da atividade sexual ou do comportamento de comprar, mas isso, além de ocorrer em fases específicas, vem acompanhado de uma diminuição na sua capacidade crítica e de avaliação dos prejuízos decorrentes desses atos exagerados (American PsychiatricAssociation, 2014).
Em função da relevância desse tema para os profissionais de saúde mental, o objetivo do artigo é apresentar os mecanismos psicológicos que estão associados aos transtornos do exagero e as formas de abordar esse tipo de patologia na prática clínica.
Crenças exageradas
Todas as pessoas, independetemente de já terem ou não apresentado um comportamento exagerado, possuem expectativas de resultado quanto às consequências do mesmo. Com relação a uma droga, como a maconha, por exemplo, pode-se acreditar que ela tem o poder de causar relaxamento, e quanto ao ato de comprar, pode-se pensar que é um jeito de esquecer os problemas. Essa mesma lógica pode ser utilizada para compreendermos as expectativas de resultado quanto a qualquer comportamento exagerado que possamos imaginar.
Apesar do termo expectativas de resultado ser bastante utilizado na literatura científica e na prática clínica, quem tem um transtorno do exagero apresenta o que Beck et al. (1999) denominaram “crenças adictivas” ou, segundo Araújo (2016), “crenças exageradas”. Não se usa, nesses casos, o termo expectativas de resultado, pois as ideias que a pessoa com transtorno do exagero tem a respeito do seu comportamento são mais rígidas e difíceis de serem modificadas (Beck et al., 1999), em “crenças antecipatórias” (que antecipam o prazer associado ao comportamento exagerado – “Exagerando, vou me divertir mais”).
As crenças adctivas ou exageradas se conectam com as crenças centrais do individuo – as quais são ideias rígidas e hipergeneralizáveis que ele tem a respeito de si mesmo, do mundo e do futuro – de modo a se tornarem formas de lidar com essas crenças centrais (Araújo et al., 2013; Beck et al., 1999). Se alguém tem uma crença central “Sou frágil” e uma crença exagerada antecipatória “Vou me sentir mais forte” (ao exagerar), isso pode gerar euforia e fissura (desejo por exagerar) e levar à conduta adictiva – como usar uma droga. Esse mecanismo demonstra que ter o comportamento exagerado (nesse caso, usar uma droga) é uma estratégia compensatória utilizada para que a crença central “Sou frágil” não se ative. Existe um pressuposto, por trás “devo usar drogas”, que indica que, se o individuo “usar drogas, não será frágil”, mas que, do contrário, “não as utilizando, será frágil”. Obviamente, esses pressupostos e regras mantêm “vivo” o comportamento exagerado, pois eles indicam que cometer o exagero será um jeito efetivo de defender o indivíduo da ativação de sua crença central.
Identificação
Para a identificação das crenças dos pacientes utiliza-se um instrumento denominado Registro da Fissura (Beck et al., 1999), no qual será apresentada uma situação indutora de fissura para ter o comportamento exagerado e ficará explicito o que o paciente pensou antes de sentir a fissura.